segunda-feira, 23 de novembro de 2015

DÁLIA NEGRA (*) by Kiko Zampieri




Ele acabava de circular o dedo indicador no enfeite preso nos cabelos dela, redesenhando a flor negra. Uma Dália Negra. O óculos escuro escondia os olhos marejados. A mulher esquartejada sobre a grama do terreno era uma conhecida. Elizabeth, lembrou do nome. Quase haviam se tornados parentes, seu irmão mais velho era o noivo dela e se casariam quando ele voltasse da guerra, porém morrera num acidente na Índia, quando regressava.
Ele ainda tentou cuidar dela, contudo era uma garota difícil de se lidar, rebelde, independente e adorava festas e homens fardados. Agora encontrara o seu destino nas ruas daquela cidade. Não era uma prostituta, apenas alguém que queria se sentir viva, feliz, atraente e desejada, talvez pela perda do noivo ou pelo abandono da família. Deitada na grama de um terreno baldio, tronco partido ao meio, um corte que abria sua boca de orelha a orelha, deixando expostos seus dentes brancos e sem vida, além da retirada do mamilo direito, um pedaço da coxa e um buraco aberto um pouco acima das suas partes íntimas e os braços dispostos numa posição de dança de uma bailarina clássica,
Tom era um policial dedicado e nos seus dez anos de corporação, havia visto muitos corpos, principalmente de mulheres jovens e belas, porém aquela visão o deixava perturbado e na sua mente uma questão: Quem teria coragem de tanta maldade?
Um buraco no seu ventre parecia fazer a menção de que alguém quisera tirar algo de dentro dela, só com os resultados da perícia e que teria certeza. Começava ali a caça a um verdadeiro monstro, rezava para que não fosse um novo Jack, O estripador agora em Los Angeles.
Durante os seis meses que se seguiram, a impressa martelou os vários noticiários, criando um certo pânico entre os moradores daquela cidade. Apelidando o crime como Dália Negra. Tom havia investigado várias pistas, porém sem nenhum resultado. Tinha em seu coração o ímpeto de resolver aquele mistério e capturar o assassino de Elizabeth. A perícia indicou que o seu útero fora tirado cirurgicamente, além de todos os cortes e a maneira como o tronco fora serrado, indicavam que o assassino conhecia as técnicas de cirurgia. Um médico ou um instrumentista poderiam ter realizado tais procedimentos, então a investigação tomou outro rumo. Os médicos, enfermeiros e instrumentistas agora eram os alvos tanto da polícia como da imprensa.
O que ninguém sabia, somente Tom, era que Elizabeth adorava homens fardados, por isso resolveu fazer uma investigação solitária aos médicos da base em Los Angeles, contudo sabia que teria que ser cuidadoso, afinal o Exército americano havia vencido a Segunda Guerra Mundial e todos eram heróis.
Três suspeitos estavam em sua lista. MacDowell, 58 anos, chegara da Europa em dezembro de 1946 e ainda estava em tratamento psiquiátrico, devido aos momentos que passara no ataque a Normandia. Silvester, 26 anos, solteiro, morava na base e não havia nenhum registro de alguma saída no mês de janeiro de 1947 e finalmente Stevenson, casado, pai de três filhas, 35 anos, chamado em seu regimento como O Mão de Serra, devido as inúmeras amputações nos campos de batalha. Esse era o seu principal suspeito, agora teria que levantar as provas e condená-lo.
Não seria tão fácil, afinal recentemente, recebera uma condecoração das mãos do próprio presidente Harry S. Truman e um convite para dirigir o principal hospital de Los Angeles.
De posse da cópia do laudo da perícia, Tom lia e relia, tentando encontrar algo que pudesse associar ao médico. Nenhuma relação com o criminoso fora encontrada no corpo ou nos arredores do local do crime e nenhum sangue havia sido derramado no local. A morte dela havia sido em algum local ermo e particular e o corpo depois de limpo fora jogado naquele terreno baldio. Ele precisa encontrar o local o mais rápido possível.
Por várias vezes ele refez os passos de Elizabeth desde que saíra do bar até a esquina onde fora vista pela última vez. Nada. Conversor novamente com as amigas e os homens com quem ela havia saído alguma vez. Nada. Tinha que tomar uma decisão extrema, que talvez fizesse com que perdesse seu emprego na polícia, tinha que invadir o escritório do Dr. Silvester, na base do exército.
Escolheu uma noite para ir até a base e com a desculpa de falar com um dos soldados conseguiu entrar sem nenhum problema. Era uma sexta-feira e a base estava praticamente vazia, caminhou pelas pequenas ruas, sempre acompanhado por um ordenança até a caserna. Lá conversou com um soldado e pagou algumas bebidas, depois simulou uma queda e ganhou um pequeno corte na palma da mão esquerda. Foi levado para a enfermaria, onde um enfermeiro dava plantão, ouvindo o jogo de basebol. Contrariado se apressou em fazer um curativo, sem tirar os ouvidos do radialista. Tom simulou uma tontura e o enfermeiro o deitou em uma das macas, fechou a cortina e voltou para sua sala e ao jogo. Era sua chance. Tom se esgueirou da maca e silenciosamente foi até a sala do médico. A porta estava destrancada. Entrou, vasculhou as gavetas da mesa e do armário. Nada de suspeito. Na parede um quadro com o médico e dois amigos diante de uma cabana de pesca. Um local afastado, foi o seu primeiro pensamento e sem titubear tirou o quadro da parede e escondeu no paletó. Saiu sem problemas da base e foi direto para casa, precisava descobrir a localização daquela cabana.
Pela manhã, foi para a prefeitura em busca de localizações de ranchos e sítios a beira do Rio Los Angeles. Oito foi do que descobriu, mas nenhum em nome de Silvester ou de qualquer outro militar. Teria que checar “in loco”.
Só no final da tarde, depois de visitar quatro locais, encontrou o rancho da foto, nada havia sido alterado desde a data que fora tirada aquela foto. Caminhou até a varanda, olhou pela janela e bateu na porta. Sem respostas nas três vezes, estava vazia. Forçou a porta, estava trancada. Deu a volta até os fundos, forçou a porta e ela abriu. A noite estava chegando, então acendeu um dos lampiões e levantou acima de sua cabeça para enxergar o recinto. Era simples, estava numa pequena sala com uma mesa e algumas cadeiras, um sofá triplo e duas poltronas e uma escada que levava ao andar de cima. Subiu. Três quartos com camas de casal e armários de roupas, que estavam vazios. Desceu. Outra escada agora para um porão, encontrou uma porta trancada, forçou, forçou mais uma vez e com o pé acertou o lado da fechadura, fazendo-a se abrir.
O que a luz do lampião iluminou foi assombroso e repugnante. Aquilo parecia com as masmorras da Inquisição Espanhola. Aparelhos de torturas, chicotes, mesas com aberturas para que alguém pudesse examinar uma pessoa, mantendo-a com as pernas abertas, grilhões presos nas paredes e várias cadeiras, arrumadas como se fossem para uma plateia. Segurou a vontade de vomitar e prosseguiu sua investigação. Ao lado de um grande tonel de querosene, que deveria servir para acender a caldeira, havia outra porta, aberta dessa vez, parecia mais uma sala de emergência de um hospital, com vários tubos de oxigênio e outros gases, diferente apenas as fotos nas paredes. Havia meninas, moças e até mulheres balzaquianas, deitadas na maca, sendo estripadas de várias maneiras e no final da galeria estava Elizabeth, nua, com o rosto já aberto e o Dr. Silvester segurando um órgão que havia sido tirado dela, pelo mesmo buraco no abdômen, que vira no corpo dela e entre os dedos da outra mão algo que parecia uma pequenino animal, um filhote de rato, não, era um feto humano, não conseguiu segurar mais e vomitou numa pia ao lado.  Lavou o rosto e voltou para cima, precisava trazer a perícia e os policiais, descobrira o assassino e o local do crime
Subiu as escadas até a sala, não percebeu o vulto encostado na porta de entrada, mas ouviu o clique do gatilho e se atirou no chão, porém não evitou que a bala se alojasse no seu estômago. O lampião caiu sobre o sofá iniciando um pequeno incêndio. Tom foi se afastando das chamas e sacando do seu revólver, atirou três vezes em direção da porta e correu agachado até a porta dos fundos. Outros dois tiros vieram de trás da mesa virada, atingindo a janela e em outro lampião, fazendo o querosene cair sobre Tom. Deu mais um tiro e tentou abrir a porta, recebeu outro nas costas. Virou e viu o vulto mais próximo, atirou e viu o chapéu sair da cabeça dele junto com parte da cabeça. O fogo começou a se espalhar e antes que Tom conseguisse alcançar a maçaneta, sua roupa se incendiou, tentou se levantar, porém estava sem forças e foi deixando o corpo, já sendo devorado pelas chamas, se acomodar no chão, ainda pode sentir a explosão no porão antes de cerrar seus olhos.
Quando os bombeiros e a polícia chegaram ao local, não havia muito o que fazer, a explosão e o fogo destruíram qualquer evidência que poderia existir naquele local, nenhum corpo, nenhuma foto que mostrasse o local e o assassino de Elizabeth, A Dália Negra.


(*) Baseado no Crime da Dália Negra, acontecido em Los Angeles em janeiro de 1947 e até hoje não descobriram nem o motivo e nem o assassino.