Kate era o nome que ela, atualmente, estava usando naquela missão. No
meio profissional era conhecida como “Ponto X”, devido a sua alta performance
contra seus alvos. Uma assassina profissional. Apesar de ser freelancer, nos
últimos cinco anos era de uso exclusivo dos chefões da máfia russa, mesmo
contrariada aceitara essa função, motivada pela imensa quantia paga por eles.
Estava naquele motel há dois dias e como um deja vú se via recostada na cabeceira da cama, nua, um cigarro
entre os dedos indicador e médio, um copo de café descafeinado e um olhar
vidrado na fumaça que bailava até se perder de vista. Na mente um choque de
conceitos, normas e ética, desafiava seu objetivo final, completar sua missão,
tirar um retrato do alvo e receber seu dinheiro. Contudo deixou uma falha, se
apaixonara pelo alvo e agora estava indecisa. Matar ou morrer, pois com certeza
o contratante não deixaria por menos.
Chegara na cidade há duas semanas, uma pequena mala, duas Glock com
silenciadores, pentes de balas sobressalentes, uma faca de combate e uma foto.
O agente do FBI Thomas Woodwurth era o alvo. Era o chefe da Operação Vodka
Branca, que estava investigando e prendendo alguns chefes da máfia russa que atuava
no Estado. Já haviam ameaçado, subornado e sofrido um atentado, nada o fez
parar, pelo contrário apenas o incentivou a aumentar suas buscas e apreensões
das drogas comercializadas. Ela era o último remédio para aquela doença.
Dois dias depois ela estava checando a rotina do alvo, tirando fotos,
fazendo mapas de percursos, hábitos de alimentação e até os seus horários de
trabalho e pós-trabalho. Próximo passo era marcar o local onde seria efetuado o
extermínio, rotas de fuga, caso desse alguma errada, horário e o modo de
execução. Os contratantes exigiram que o modus operandi fosse bem explícito, o
qual demonstrasse uma execução.
Porém cada vez que fixava seu olhar nas fotos, sentia algo estranho tomando
conta dos seus sentidos, algumas se pegara sorrindo para aquele sorriso jovial
ou pela elegância do vestir. Balançava sua cabeça, espantava os maus
pensamentos e voltava aos estudos para a execução do trabalho.
Por coincidência ou um ato falho, eles se esbarraram numa das esquinas,
Thomas carregava um copo de café e no choque o café foi parar em sua camisa
branca. Desculpas, tentativas de limpeza e finalmente lá estavam eles na
cafeteria.
Um erro fora cometido, o caçador se apaixonou pela caça e agora relutava
em apertar o gatilho ou cravar a faca em seu coração. Da cafeteria para o
quarto de um hotel não demorou muito e foi sobre uma cama que duas almas se
conectaram de tal forma que acabou virando um vício. Por várias vezes adiara a
execução e cada vez que se encontravam uma marca ficava maior em seu coração e
mente. Nunca encontrara tanto prazer e carinho em um homem. Era uma mistura de
romantismo e selvageria, sem pudor, tabus ou desrespeito. Se apaixonara por ele
e cada vez que ele saía da cama, sentia saudades e vontades.
Um trago no cigarro e deixou que a fumaça escapasse sozinha por seus
lábios. Os olhos ainda fixados na porta do banheiro e na mente um futuro
incerto era traçado. Sabia que não haveria uma vida a dois. Se não cumprisse o
trabalho seria perseguida. Se confessasse seu verdadeiro trabalho para ele,
poderia ser presa ou entrar num sistema de proteção a testemunha. Fugir, seria
impossível. Queria ficar com ele. Agradecer todos os momentos que passara, os
delírios e orgasmos. A felicidade de ficar pela primeira vez deitada no peito
de um homem e redesenhá-lo. Ele a tornara a mulher mais feliz e mais linda naquele
mundo sujo em que havia vivido até aquele momento.
A porta do banheiro se abriu e surgiu Thomas nu e os cabelos molhados.
Ela manteve os olhos nele, era uma mistura de deus grego com um gladiador
romano, um sopro leve e rápido e uma bala cravou em seu peito. Ele surpreso
dobrou os joelhos e caiu com as costas sobre o carpete vermelho. Ela se
aproximou com a Glock ainda em sua mão, nua, linda e mortal. Como na fábula, de
origem africana, do escorpião e o sapo, Thomas perguntava o porquê e ela
respondeu que ele a fizera muito feliz, mas fazia parte da sua natureza, antes
de terminar a frase ou se arrepender, cravou uma bala em sua testa, finalizando
o seu trabalho. Uma lágrima dela se misturou com o sangue que esvaía do peito
dele, tornando-se róseo.
Uma foto, um trabalho executado, um saldo maior em sua conta e um novo
vazio em seu coração.