quarta-feira, 30 de setembro de 2015

SANGUE E LÁGRIMA - KIKO ZAMPIERI




Kate era o nome que ela, atualmente, estava usando naquela missão. No meio profissional era conhecida como “Ponto X”, devido a sua alta performance contra seus alvos. Uma assassina profissional. Apesar de ser freelancer, nos últimos cinco anos era de uso exclusivo dos chefões da máfia russa, mesmo contrariada aceitara essa função, motivada pela imensa quantia paga por eles.
Estava naquele motel há dois dias e como um deja vú se via recostada na cabeceira da cama, nua, um cigarro entre os dedos indicador e médio, um copo de café descafeinado e um olhar vidrado na fumaça que bailava até se perder de vista. Na mente um choque de conceitos, normas e ética, desafiava seu objetivo final, completar sua missão, tirar um retrato do alvo e receber seu dinheiro. Contudo deixou uma falha, se apaixonara pelo alvo e agora estava indecisa. Matar ou morrer, pois com certeza o contratante não deixaria por menos.
Chegara na cidade há duas semanas, uma pequena mala, duas Glock com silenciadores, pentes de balas sobressalentes, uma faca de combate e uma foto. O agente do FBI Thomas Woodwurth era o alvo. Era o chefe da Operação Vodka Branca, que estava investigando e prendendo alguns chefes da máfia russa que atuava no Estado. Já haviam ameaçado, subornado e sofrido um atentado, nada o fez parar, pelo contrário apenas o incentivou a aumentar suas buscas e apreensões das drogas comercializadas. Ela era o último remédio para aquela doença.
Dois dias depois ela estava checando a rotina do alvo, tirando fotos, fazendo mapas de percursos, hábitos de alimentação e até os seus horários de trabalho e pós-trabalho. Próximo passo era marcar o local onde seria efetuado o extermínio, rotas de fuga, caso desse alguma errada, horário e o modo de execução. Os contratantes exigiram que o modus operandi fosse bem explícito, o qual demonstrasse uma execução.
Porém cada vez que fixava seu olhar nas fotos, sentia algo estranho tomando conta dos seus sentidos, algumas se pegara sorrindo para aquele sorriso jovial ou pela elegância do vestir. Balançava sua cabeça, espantava os maus pensamentos e voltava aos estudos para a execução do trabalho.
Por coincidência ou um ato falho, eles se esbarraram numa das esquinas, Thomas carregava um copo de café e no choque o café foi parar em sua camisa branca. Desculpas, tentativas de limpeza e finalmente lá estavam eles na cafeteria.
Um erro fora cometido, o caçador se apaixonou pela caça e agora relutava em apertar o gatilho ou cravar a faca em seu coração. Da cafeteria para o quarto de um hotel não demorou muito e foi sobre uma cama que duas almas se conectaram de tal forma que acabou virando um vício. Por várias vezes adiara a execução e cada vez que se encontravam uma marca ficava maior em seu coração e mente. Nunca encontrara tanto prazer e carinho em um homem. Era uma mistura de romantismo e selvageria, sem pudor, tabus ou desrespeito. Se apaixonara por ele e cada vez que ele saía da cama, sentia saudades e vontades.
Um trago no cigarro e deixou que a fumaça escapasse sozinha por seus lábios. Os olhos ainda fixados na porta do banheiro e na mente um futuro incerto era traçado. Sabia que não haveria uma vida a dois. Se não cumprisse o trabalho seria perseguida. Se confessasse seu verdadeiro trabalho para ele, poderia ser presa ou entrar num sistema de proteção a testemunha. Fugir, seria impossível. Queria ficar com ele. Agradecer todos os momentos que passara, os delírios e orgasmos. A felicidade de ficar pela primeira vez deitada no peito de um homem e redesenhá-lo. Ele a tornara a mulher mais feliz e mais linda naquele mundo sujo em que havia vivido até aquele momento.
A porta do banheiro se abriu e surgiu Thomas nu e os cabelos molhados. Ela manteve os olhos nele, era uma mistura de deus grego com um gladiador romano, um sopro leve e rápido e uma bala cravou em seu peito. Ele surpreso dobrou os joelhos e caiu com as costas sobre o carpete vermelho. Ela se aproximou com a Glock ainda em sua mão, nua, linda e mortal. Como na fábula, de origem africana, do escorpião e o sapo, Thomas perguntava o porquê e ela respondeu que ele a fizera muito feliz, mas fazia parte da sua natureza, antes de terminar a frase ou se arrepender, cravou uma bala em sua testa, finalizando o seu trabalho. Uma lágrima dela se misturou com o sangue que esvaía do peito dele, tornando-se róseo.
Uma foto, um trabalho executado, um saldo maior em sua conta e um novo vazio em seu coração.

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