terça-feira, 20 de outubro de 2015

UMA ROSA DE VINGANÇA * - Kiko Zampieri





Bob era um fotógrafo freelance da National Geographic. Estava na Irlanda para uma série de fotos de castelos e mosteiros da Idade Medieval. Era mais em hobby do que propriamente um trabalho, afinal era filho único de um milionário inglês, juntara o útil ao agradável. Um verdadeiro playboy, por onde passava, deixava sua marca, era num estabelecimento ou numa menina virgem da localidade. Eram os advogados do pai que mais trabalhavam, sempre consertando as coisas com dinheiro. Muito dinheiro. A mãe, uma religiosa fervorosa, cansava de aconselhar o filho e alertá-lo sobre os castigos de Deus. Inaudíveis eram suas palavras.
Não tinha um corpo avantajado, porém definido e musculoso, semblante perfeito, olhos claros, pele morena, cabelos longos e com uma lábia sedutora e infalível para com as garotas inexperientes. Seu principal alvo. Seu ditado era que toda mulher tinha quer linda e ele o primeiro homem quem ela conheceria.
Naquela pequena cidade, que mais parecia um vilarejo da Idade Média, não seria diferente. O problema era a falta de mercadoria. As poucas meninas da vila não haviam alcançado os doze anos e depois eram moças com a juventude se perdendo e com alguma experiência sexual. O melhor seria terminar de fotografar os dois castelos próximos e um mosteiro, ainda ativo.
No Santuário, chegara antes do almoço e fora convidado para cear com alguns monges que ainda viviam naquele lugar esquecido por Deus, como ele julgara em sua chegada. Porém fora bem recebido e depois de uma sessão de fotos pelos aposentos, pátios e cemitério, sentara-se junto ao velho abade, uma porta se abriu e dez jovens em sua maioria entre dezoito e dezenove anos, cabisbaixos e sussurrando algum tipo de oração, foram se acomodando ao redor da velha mesa de madeira, descobriram os rostos, eram jovens bem afeiçoados e com olhares catatônicos. Estão cumprindo suas penitências, disse o abade diante do olhar surpreso do jovem fotógrafo.
Depois da refeição, os jovens cobriram novamente as cabeças e saíram da mesma maneira que chegaram. O abade, responsável pelo mosteiro, fez questão de levá-lo para uma caminhada, que mais pareceu um ato de contrição, o fotógrafo saiu de lá com a sensação que aquele homem conhecia bem sobre a sua vida, até mesmo sobre as moças que ele enganava em troca de simples prazeres carnais. Não deu muita atenção, mas agradeceu a estadia e partiu em direção ao próximo local a ser fotografado.
Pela pequena estrada de terra batida que o levaria até o alto de uma colina, passava ao lado de um pequeno rio caudaloso com suas orlas cobertas por um tipo de junco. Com o calor causticante daquela tarde de verão, não pensou duas vezes, encontrou uma árvore frondosa, tirou suas roupas, ficando apenas de cueca, ajeitou-as junto a mochila e a suas câmeras e se dirigiu para a margem do rio. Testou a profundidade com cada perna, uma de cada vez e foi entrando, deu um mergulho e foi até a outra margem, outro mergulho e ao sair com sua cabeça das águas, teve uma visão quase que divina. Uma jovem em pé na estrada próxima a árvore que deixara seus pertences. Duas ou três braçadas e alcançou a margem e a estrada. A jovem era muito linda, vestia um vestido branco e um pouco surrado, entre os seios uma rosa vermelha, dava um ar primaveril e um sorriso estonteante fez com que seus sentidos ficasse aguçados.
Um pouco de conversa e um toque no rosto foram o suficiente para que arrancasse dela um leve beijo. Mais um pouco e forçou um beijo mais longo enquanto apertava seu corpo ao dela. Suas mãos ágeis percorreram as costas e nádegas, mostrando a ele o que iria encontrar quando a desnudasse.
O que o deixou cismado era o sorriso que nunca saía dos lábios dela e o silêncio depois do beijo, nenhuma palavra, apenas o sorriso. Contudo seus instintos de um animal no cio já estavam acionados e partiu para o ato carnal.
A jovem deitada sobre a grama, braços abertos e a rosa vermelha, que antes enfeitara os seios, agora estava entre seus lábios. Ele deixou escapar um riso devido a graça da jovem e ajoelhou entre as suas pernas, febril e excitado pelo rosto lindo da jovem, começou a levantar o vestido dela.

- Como é seu nome?
- Elisa. Elisa Day.

Quando suas mãos alcançaram as pernas da jovem, teve um sobressalto, um grito sufocado pelo medo e caiu para trás. Eram pernas peludas e ao invés dos pés cascos, como de um bode. Ela mantinha ainda o mesmo sorriso com a rosa vermelha entre seus lábios, enquanto ele corria desesperado e nu pela estrada, não conseguia olhar para trás, mas podia sentir um hálito quente em sua nuca e ouvir um sussurro em seus ouvidos. Me ame! Me ame!
Acelerou sua corrida e mesmo assim, ainda sentia o mesmo hálito quente na nuca e o tropel de cascos cada vez mais próximo. Tentou gritar, não conseguiu. Procurou um lugar para pedir ajuda. Só o Mosteiro estava visível. Lembrou de Deus, uma oração confusa surgiu em sua mente. O coração parecia querer saltar da boca e faltava coragem para olhar para trás. De repente uma risada estrondosa e um risco correu pelo céu azul e explodiu do seu lado, outro e depois mais outro, mais risadas e finalmente uma explosão atrás fez seu corpo ser atirado sobre uma cruz de pedra, que demarcava a entrada do pátio do mosteiro. O peito queimou e a dor o fez perder os sentidos. Enquanto caía, ainda pôde ver o sorriso estampado naquele rosto angelical se aproximando.
O velho abade saiu pela grande porta de madeira, água benta numa mão e na outra um crucifixo. Levantou o jovem com a cruz tatuada no peito e o levou para dentro.
Na manhã seguinte, ao soar o sino para a primeira oração do dia, onze jovens, cabisbaixos e com as cabeças cobertas pelo capuz da roupa, surgiram pela porta em direção ao altar, onde o abade e o seu auxiliar os aguardavam.

- Acho que vamos precisar construir mais algumas celas para recebermos novos jovens farristas e sedutores. Disse o velho abade com tristeza.

Bob permaneceu ali até a sua morte e foi considerado como desaparecido pelas autoridades, seus pertences foram devolvidos para a família e o corpo jamais encontrado, apesar dos esforços nas buscas por toda extensão do rio.


* (baseado nas Lendas Urbanas – Elisa Day – Irlanda Medieval e Santuário das Angústias – Espanha)

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O Casamento de Antônia - Kiko Zampieri





Antônia iria realizar seu grande sonho. Casar-se com Paulo Augusto, um colega do trabalho por quem se apaixonara numa confraternização de Natal. Do primeiro contato até o noivado e o casamento, foram apenas dezoito meses. Diferente do seu antigo relacionamento que havia durado oito anos.
Naquela manhã acordara cheia de vida, alegria e nervosismo. Os dois pertenciam a Classe Média trabalhadora e sendo assim os recursos eram escassos para a realização de uma bodas perfeita, porém nada importava para ela, estar junto a Paulo Augusto já seria mais que perfeito. O vestido de noiva era alugado. Uma amiga iria fazer a maquiagem. O primo a levaria até a igreja num Corcel II antigo. Para ela ainda assim era um lindo conto de fadas e ela a Cinderela.
Antes dos preparativos, Antônia e sua prima Ana, foram até a pequena casa alugada, um quarto e cozinha nos fundos de uma outra casa, levaram os últimos presentes e aproveitaram para ajeitar o restante dos utensílios e aparelhos domésticos que haviam sido entregues no dia anterior.
O casamento estava marcado para as dezesseis horas e o sol já estava a pino e Antônia, ainda estava na nova casa. Ana a apressou e foi na frente para buscar a vizinha que faria a maquiagem.
Três horas da tarde e Antônia já estava vestida e sentada em frente da penteadeira de sua tia Júlia, esperando aflita pela vizinha. Nada. Abriu então a gaveta do meio da penteadeira, tirou o estojo de maquiagem e fez ela mesmo. Prendeu o cabelo e colocou a tiara de pedras brilhantes, pronta saiu pelo estreito corredor até o portão da casa. Onde estava o primo com o Corcel II? Nada. Ficou apavorada. Era para ser o dia mais feliz da sua vida e parecia que o destino jogava contra ela. Suava. Olhou para os dois lados da rua na esperança de ver o Corcel II chegando. Nada. Suou ainda mais de nervoso. Quase chorou, não podia, estragaria a sua maquiagem.
Quinze e quarenta e cinco. Desespero. Sentia falta de um celular. Deveria ter comprado um bem baratinho, mas preferiu guardar o dinheiro para a viagem de lua de mel. Quinze e cinquenta. Nada do Corcel II. Aflição.
A cena era dantesca ou grotesca. Uma noiva na calçada andando de um lado para o outro, aflita, desesperada e excomungando todos os deuses. Até ser despertada pelo som de pneus sendo travados no asfalto. Era João, o ex-namorado e vizinho, que parava ao seu lado e abria a porta do passageiro da velha Brasília. Não tinha opção, entrou.
Dezesseis e cinco. Tudo bem! A noiva sempre atrasa. Nem ouvia direito as palavras de João, que pedia perdão pela sua covardia e que estava arrependido de não ter lutado por ela, ou coisa parecida. Ela mal ouvia com os olhos presos no vidro do para-brisa, atenta ao caminho para a igreja.
Dezesseis e vinte e dois. Enfim! A escadaria da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Nem se despediu do João, subiu as escadas segurando o vestido alugado para não tropeçar. A porta estava aberta, se ajeitou, sacudiu o vestido, apertou nas mãos a grinalda de flores artificiais, enxugou algumas gotas de suor, que insistiam em correr pelos lados da sua face e entrou. Onde estavam todos? Vazia. A igreja estava vazia, escura e silenciosa. Paulo Augusto, Ana, sua mãe, suas tias, suas amigas, os padrinhos, ninguém. Uma dor no estômago. Um vermelho escorrendo pelo vestido branco. Um grito surdo.
Na pequena casa de dois cômodos, era onde todos estavam. Paulo Augusto, Ana, a mãe, as tias, as amigas, os padrinhos, policiais e João sentado ao lado de Antônia, arrependido pedia perdão pela sua covardia.