A pequena igreja de Jucamirim estava toda enfeitada para a festa
junina, que aconteceria no próximo domingo, dia de Santo Antonio. Festa
aguardada, principalmente, pelas moçoilas solteiras e com a idade um pouco
avançada.
O Padre Rufino, como em todas as festas, procurava arrecadar prendas,
doações em dinheiro e alimentos, uma parte iria para a festa e outra para o
pequeno orfanato da cidade. Que era pequeno na estrutura, porém com alto nível
de aquisições. E geralmente, alguns meses depois das festas, sempre aparecia
uma novo integrante para o orfanato.
Como todas as manhãs, rezava a primeira missa, depois atendia os
pecadores em seu confessionário, um pequeno armário com uma cortina grossa de
cor vinho e uma abertura lateral por onde ouvia as confissões. Naquele dia fora
diferente. Após o término das confissões rotineiras, um homem, que estava
sentado na primeira fila dos bancos, chamou a atenção do velho padre. Era um
estranho na comunidade, um jovem com pouco mais de vinte e cinco anos, mas como
todos os anos, muitos viajantes apareciam pela cidade para participarem da
festa, foi se aproximando e calmamente interpelou o desconhecido.
- Salve, meu filho!
- Olá padre. Disse levantando a cabeça e fixando o olhar no velho
padre.
- Posso ajudá-lo?
- Preciso me confessar com urgência. Indagou o desconhecido.
- Claro, meu filho. Venha comigo até o confessionário. Orientou o
padre.
O padre se acomodou na velha cadeira estofada dentro do cubículo e o
desconhecido se ajoelhou na lateral.
- Quando foi a última vez que o senhor se confessou?
- Essa é a primeira vez, padre.
- Se está procurando arrependimento e perdão, veio ao lugar certo.
- Padre tirei a vida de cinco pessoas e queria confessar os meus crimes
e encontrar a paz no meu coração. Disse o homem emocionado.
O padre ficou alguns segundos perplexo, mas era a sua função, ouvir a
confissão e passar o ato de contrição e as orações necessárias para o perdão.
- Pode falar, meu filho.
O homem então começou a descrever seus crimes. Contou que o primeiro
fora a dez anos atrás, um tal de Joaquinzinho, que trabalhava num sítio do
Senhor Alberto, o matara na estrada que ia da cidade até o sítio. Dez facadas.
O padre em silêncio e boquiaberto, lembrara do crime que havia abalado a
comunidade. O homem continuou o relato sobre o segundo, um homem chamado Pedro
Caculé, carroceiro da cidade, matara também a facadas, ele e o seu cavalo.
Novamente o padre perdera a respiração.
O terceiro tinha sido Zé Manco, que trabalhava na farmácia do Senhor
Gomes, também a facadas e deixado no meio da praça. Silêncio profundo e agora
junto vinha uma angústia sufocante, ele se lembrava de todos aqueles
assassinatos e todos não haviam sido solucionados e agora estava frente a
frente com o assassino.
O homem continuou, o quarto tinha dado mais trabalho, pois era filho de
um juiz e tivera que esperar muitos dias até que ficasse sozinho na casa.
Morreu na cama com a barriga aberta. O quinto e último era o filho do
fazendeiro Coronel Justino, esse morrera em outra cidade, pois havia fugido
depois das mortes anteriores.
- Padre pode perdoar meus pecados?
- Reze o ato de contrição e um Pai-Nosso e dez Ave-Marias para cada
morte e sua alma estará salva.
Antes que o homem saísse o padre fez uma última pergunta.
- Qual o motivo desse ódio, meu filho?
- Sou o filho da Rita do Brejo e fiz tudo por vingança. Vingá-la
daqueles que abusaram e me geraram.
O padre quase teve um mal súbito. Lembrara da mulher, havia sido
estuprada quando voltava da escola noturna e deixada na beira da estrada.
Sobrevivera e fora embora da cidade sem nunca dizer os nomes dos estupradores.
O homem se ajoelhou na primeira fila e rezou os seis Pai-Nossos e as
sessenta Ave-Marias, enquanto um filete pegajoso e vermelho escorria por baixo
da cortina cor de vinho.
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